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Função psíquica da mãe



A mãe é o centro e a quase totalidade das experiências do bebé, simultaneamente nos planos fisiológicos, afetivo, psíquico e intelectual. A mãe é alimento (sucção e sabor), audição (som) e movimento, carícias, visão, preensão, segurança, satisfação e insatisfação. Pelo somatório das sensações, a mãe é o alimento essencial do desenvolvimento mental. O mesmo é dizer que a atitude afetiva da mãe determina o clima total em que a criança vive e onde se desenvolve o recém-nascido. O bebé, ainda indiferenciado, só passivamente pode responder ao ambiente, na falta de um «eu» constituído que oferecesse uma armadura à sua disponibilidade.

A mãe é fonte constante de provocação e de estímulo. Ela é sentida como fonte de satisfação e de insatisfação. É a mãe quem dirige o bebé, não somente para o que lhe convém, mas para aquilo que lhe dá prazer a ela. E, isto para além da ação consciente, pois é movida pelos seus desejos, prevenções, bloqueios afetivos que revelam uma modelação inconsciente recíproca, uma muito profunda troca de sensações.

A comunicação primária do bebé e da mãe, ainda psiquicamente não elaborada, permanece, todavia, uma linguagem do corpo, diferente da linguagem do adulto e, tanto mais quanto neste primeiro diálogo há desigualdade entre a criança e o adulto. A criança só pode comunicar através de sinais suscetíveis de traduzir a sua experiência e só recebe da mãe respostas que muitas vezes não pode decifrar. Ora, como durante os primeiros três meses não se dá a precepção elaborada devido à imaturidade psíquica, a criança só recebe sensações cinestésicas. É somente a partir do 3º mês que o «eu» se constituí, em função nomeadamente do clima afetivo, criado pela mãe. É assim, que a resposta ao sorriso, que surge em média no 3º mês, pode ser retardada até ao 5º e mesmo 6º mês, conforme as reações maternas. A própria mãe reage, aliás conforme a personalidade da criança. Reage igualmente em função do meio social e familiar, das tradições e da sua própria maturação afetiva.

A intensidade e a profundidade das comunicações afetivas que unem o bebé e a mãe tornam-nas numa relação de posse recíproca, ou, como se disse, num «egoísmo a dois». Não existe um diálogo de dois seres diferenciados e autónomos, mas confusão e participação recíprocas. A criança experimenta-se como fazendo parte do corpo materno, e a vigilância das respostas maternas às suas necessidades sustenta essa sensação de comunhão.

Nessa relação, o indivíduo ama por absorção. E não é injustificadamente que as religiões vêem na comunhão a manifestação do amor mais profundo, aquela em que o ser se confunde com o objeto do amor. E quando a mãe num gesto de ternura, diz à criança «vou-te comer», traduz esse estado afectivo em que a criança aspira à fusão – não à relação objetiva – onde faz corpo com a mãe e a experimenta organicamente. E este facto é experimentado com uma intensidade tanto maior quanto, pelo seu parasitismo vital, a criança sente a sua própria existência na imagem materna.

Compreende-se que, num tal clima, qualquer perturbação afetiva da mãe desencadeie perturbações reativas na criança e que uma prova afetiva importante aguarde a criança quando vier a sentir a mãe distinta dela. Será a prova do desmame afetivo, geralmente associada ao desmame alimentar, prova que vai contribuir para asua maturidade, levando-a a ver a mãe como objeto que se vai perder.

A sensibilidade materna, devido à intensidade dos laços filho-mãe, tem certamente uma maior tendência para ver na criança um objeto de posse. A criança é assim sentida como devendo proporcionar satisfações afetivas de compensação. A mãe que não encontre numa maturidade suficiente e nas relações de adulto uma resposta às suas necessidades tem tendência inconsciente para pedi-la à criança. Esta mesmo antes de ser ela própria, torna-se objeto de manipulações afetivas maternas.

Deste ponto de vista, a sensibilidade materna pode variar consideravelmente. Há, em primeiro lugar, a boa mãe para quem a criança é uma fonte de profundas satisfações. Experimenta-a como carne da sua carne e sente uma alegria narcisista. Há satisfação do «isso», do «eu» e do «super-eu», ou seja, existe satisfação ao mesmo tempo no plano consciente e inconsciente, se a sua feminilidade está plenamente realizada.

Mas existem também mães cuja imaturidade afetiva provoca reações perturbadoras. Em primeiro lugar, as que não aceitam a criança inconscientemente a rejeitam. As que se sentem responsáveis pela rejeição hostil e sofrem de angústia. Aquelas cuja instabilidade afetiva provoca saltos de humor, e oscilam entre mimo excessivo e a hostilidade agressiva. E, finalmente, aquelas que permanecem indiferentes e abandonam afetivamente a criança.

Susana Simões, psicóloga @psicomindcare para Up to Kids


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