top of page

Fui ao psicólogo mas, afinal, voltei ao mesmo!



António (nome fictício) chegou à consulta de psicologia visivelmente abatido, com graves sintomas depressivos e um mal-estar que condicionava, significativamente, a sua vida pessoal e profissional. Já tinha feito psicoterapia, que abandonou por razões económicas. Nas 3 semanas seguintes não compareceu à consulta, tendo regressado um mês depois. Passado quase um ano de acompanhamento psicológico, António admitiu ter pensado em não voltar, após a primeira consulta.

Maria (nome fictício) veio à consulta de psicologia com queixas de base ansiosa. Com base nos sintomas e na avaliação, optou-se por uma metodologia interventiva que aliviasse, numa primeira fase, a sintomatologia e que possibilitasse o desenvolvimento de estratégias que ajudariam a reconhecer e reduzir os sintomas do ataque de pânico. Maria, abandonou o tratamento após 5 consultas. Na última consulta a que veio, afirmou sentir-se muito bem.

É frequente ouvir queixas de pessoas que algures no tempo fizeram psicoterapia, tendo por iniciativa própria deixado de ir às consultas, sobre o tratamento psicológico não ter “servido de nada”.

Na verdade, essa pessoa não sabe como seria se não tivesse abandonado as consultas, antecipadamente.

Há vários fatores que podem levar ao abandono precoce da psicoterapia. Conhecê-los é fundamental para prevenir a saída antecipada do tratamento, com consequências para o cliente e para a credibilidade dos profissionais. Os estudos apontam fatores internos (quer do cliente, quer do psicoterapeuta), externos e relacionais, que se associam ao risco de abandono:

  • dificuldades no desenvolvimento da aliança terapêutica - sabe-se que o risco de abandono precoce por parte do cliente é mais elevado nas 4 primeiras consultas diminuindo, significativamente, após 6 meses de acompanhamento. Na base da desistência a curto prazo, estão fatores internos do cliente e do psicoterapeuta. Ainda há o mito que o psicólogo tem de ser totalmente recetivo a qualquer cliente/problema, o que não é verdade. Há situações e problemáticas que têm repercussão no “mundo interno” do psicoterapeuta de tal forma, que não é possível a construção da, indispensável, relação terapêutica;

  • experiências anteriores - as vivências do cliente (experiências mais ou menos positivas com técnicos de saúde, por exemplo) podem facilitar, ou não, a aderência à terapia. Pessoas que foram, durante bastante tempo, seguidos por um psicólogo, terão mais dificuldade em se “vincularem” a outro técnico, em particular se noutro registo ou abordagem terapêutica. A atitude comunicacional do terapeuta vai “avivar memórias” e despoletar sentimentos, mais ou menos agradáveis. Por outro lado, a facilidade de aderência ao tratamento será proporcional à empatia sentida pelo cliente;

  • fatores da personalidade - a estrutura de cada individuo, também, condicionará a aderência do tratamento. Diria mesmo que os fatores personalísticos serão os que mais levam a que um cliente “saltite” de psicólogo em psicólogo, numa busca incansável da “cura”. Uma personalidade patológica, ou seja, uma maneira menos funcional de ser, poderá ser um fator de risco, quer para situações de dependência relacional com o terapeuta, quer para o abandono da terapia. As organizações ditas “borderline” (que tendem estabelecer relações de amor ou ódio) são as que estarão mais associadas à desistência e ao insucesso terapêutico. Cabe ao técnico gerir com cautela o desenrolar da aliança terapêutica e o que se espera do seu trabalho;

  • gestão das expectativas - ainda há a crença de que, por magia, basta ir às consultas para que o psicólogo, esse ser “iluminado” resolva os problemas. Com o decorrer das consultas, a pessoa começa a perceber que, apesar do esforço ser de ambos, o papel do psicólogo é ser um facilitador da mudança e que para que essa mudança ocorra, a pessoa tem de querer, realmente, ser e estar de forma diferente. Não basta chegar à consulta, descarregar uma tempestade de mal-estar, para que tudo se resolva, é preciso sair da “zona de conforto”. E esse processo pode ser doloroso, demorado e, numa fase inicial, pode levar a que a pessoa “fuja da mudança” e desista;

  • alterações socio-económicas - ir ao psicólogo, ainda é visto como algo secundário. Cuida-se do biológico, como sendo o único absolutamente necessário, sem a consciência que se os processos emocionais, cognitivos e mentais falham, todo o biológico fica totalmente comprometido. Então, quando é preciso “fazer cortes”, corta-se no que achamos que já não faz falta, afinal já estamos melhor!

Diminuição de sintomas não é, necessariamente, sinónimo de que tudo já está bem. Pelo contrário, em muitos casos, mais cedo mais tarde os sintomas voltam, alimentando a crença de que “não serviu de nada” ir ao psicólogo.

Helena Coelho, psicóloga @Psicomindcare

66 views0 comments

Recent Posts

See All
bottom of page