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Cancro da mama: efeitos psicológicos decorrentes da alteração da imagem corporal



No âmbito da psicologia, Ogden (2004) considera que as mulheres com cancro da mama podem atravessar as fases de choque (incredibilidade, negação), de angústia aguda (sentimentos de perda, luto, raiva, ansiedade, desamparo, desespero), de procura de significado, de procura de mestria e de melhoria da auto-estima. Apesar da eficácia cada vez maior dos métodos de tratamento do cancro, materializada na sobrevivência crescente, os doentes têm que fazer face a uma doença potencialmente debilitante, à dor, à alteração da auto-imagem, à perda de funções fisiológicas e à morte. No caso específico do cancro de mama trata-se de uma patologia que, além do estigma associado à doença em si, pode provocar sofrimento físico e psicológico, por exemplo, devido à cirurgia de amputação de um órgão que simboliza a feminilidade, a maternidade e a sexualidade (Gimenes & Favero, 2000).

Neste processo de tratamento, a mulher passa por vários lutos causados pela alteração da imagem corporal, pelas consequentes limitações da cirurgia e pelos tratamentos de quimioterapia, radioterapia e hormonais a que muitas vezes estas mulheres são submetidas (Maluf, Mori & Barros, 2005). É comum a mulher vivenciar tristeza e baixa auto-estima devido à mutilação deste orgão visível e /ou aos efeitos secundários dos tratamentos.

A imagem corporal inclui imagens e representações mentais, mas não se reduz a tal. Do mesmo modo, não é também um espelho fiel do nosso corpo ou resultado da familiarização que desenvolvemos com o mesmo. Cada pessoa elabora, a seu modo, a imagem do seu próprio corpo, acentuando ou modificando as diferentes partes em função dos mecanismos inherentes à sua personalidade e das vivências passadas e presentes. A imagem corporal não é apenas consciente, é construída também em grande parte tomando como referência o corpo de outras pessoas. Constitui uma unidade adquirida gradualmente que pode ser alterada e destruída. Implica um esforço contínuo para dar estrutura a algo dinâmico – pois tratando-se de um organismo como um todo, uma alteração numa parte levará a alteração de toda a imagem corporal, visto que esta resulta de novas relações consigo mesmo e com os outros.

Assim, a imagem corporal diz, portanto, respeito ao modo como o indivíduo se vê, como percebe o seu corpo e como integra as partes constituintes, como se relaciona com os outros através do próprio corpo, como se sente em relação a ele, como espera que os outros o vejam, como lida com a imagem que os outros têm a seu respeito, ou seja, que percepções sociais, emocionais e físicas desenvolve em relação ao próprio corpo e constitui-se como um conceito integrante da saúde sexual (Sheppard & Appl, 2008) .

O conceito de imagem corporal tem sido utilizado em estudos sobre doenças e situações da vida que, directa ou indirectamente, afectam a forma, função e aparência do corpo. Na sequência do que atrás se referiu, qualquer perturbação ou mudança orgânica pode levar a uma alteração na imagem corporal do indivíduo, o qual, frente a estas mudanças pode apresentar mecanismos de enfrentamento inadequados para lidar com os sentimentos gerados por estas transformações, podendo então surgir um distúrbio de imagem corporal.

O impacto negativo da imagem corporal em mulheres com cancro da mama está associado a um comprometimento da vida sexual, a um eventual receio de passarem a ser menos desejadas sexualmente e menos atractivas fisicamente, de experienciarem satisfação sexual com menor intensidade, de não se exporem intimamente, por sentimentos de inferioridade e de rejeição, de perda narcísica e por cognitivamente se percecionarem como não intactas, não completas e não funcionando completamente (Palhinhas, 2000 cit. Ramos & Patrão, 2005), o que constitui um facto agravante na identidade feminina, na autoimagem e no autoconceito em que se baseia a atratividade física (Sheppard & Appl, 2008).

Os padrões impostos pela sociedade e incorporados pela pessoa tornam-na suscetível ao que os outros vêem como defeito, levando-a a concordar que ficou diferente do que deveria ser. As mulheres que passam pela mastectomia revelam a necessidade de recuperar o espaço corporal perdido, ainda que reconhecendo que a imagem de um corpo perfeito já não existe mais. Efetivamente, na cultura ocidental, os estados de perturbação relacionados com a imagem corporal da mulher podem ser fonte de distress psicológico e interferir com o funcionamento noutras áreas.

No geral considera-se que o investimento na imagem corporal é mais saliente nas mulheres mais jovens – logo, será também nesta faixa da população feminina que se verificará maior risco de distress psicológico secundário causado pelas alterações estéticas decorrentes do(s) tratamento(s) para o cancro da mama (Helms, O’Hea & Corso, 2008). As interações sociais diárias e a interferência dos meios de comunicação social na definição do belo e do atrativo levam a que, no caso da mulher, esta assuma determinados padrões de beleza, ainda que distantes da realidade humana. A par com certos pressupostos emanados pela cirurgia estética, é ditado que para a mulher se sentir atrativa, bela e sexy deverá ser (irrealisticamente) magra, moldar artificialmente as mamas (o que já não interferirá, necessariamente, no aumento de peso) e possuir um cabelo bem tratado (preferencialmente comprido). Face a tais imposições sociais a mulher diagnosticada com cancro da mama não se revê nem é incluída nesta parametrização, já que os respetivos tratamentos resultam habitualmente em ganho de peso, peito desfigurado ou perdido, perda de cabelo.

Em síntese, a imagem corporal é um conceito multidimensional que compreende os processos fisiológicos, cognitivos, psicológicos, emocionais e sociais em constante troca mútua. Esses processos podem ser influenciados pelo sexo, pela idade, pelos meios de comunicação e pela relação existente entre os processos cognitivos e o corpo, tais como crenças, valores e comportamentos pertencentes à cultura. Não obstante, a expressão “imagem corporal” engloba um desenho criado pela mente no qual se evidenciam o tamanho, o conceito e a forma do corpo, todos eles subsidiados pelos sentimentos (Damasceno et al., 2005; Almeida et al., 2005; Ferreira; Leite, 2002 cit. Helms et al., 2008). Os tratamentos do cancro da mama na vida da mulher podem resultar numa série de reações ao nível da identidade e da feminilidade, da valorização social, do funcionamento psicossocial como percecionar o seu corpo desfigurado, a diminuição ou perda de atividade sexual, a autoconfiança, a angústia, o receio e a alteração no comportamento, o humor, a qualidade de vida.

Uma vez que a imagem corporal é construída a partir de comparações internas do self, deste com os outros e com o contexto cultural, o que frequentemente se verifica na clínica é que a mulher passa a percecionar-se como sexualmente incompleta, mutilada. Frequentemente, sentimentos de inadequação sexual, de funcionalidade alterada, diminuição da libido, de perda de intimidade sexual com o(a) parceiro(a), surgem após o diagnóstico de cancro da mama e persistem até o tratamento estar concluído (Huber, Ramnarace & McCaffrey, 2006).

Quanto maior a importância atribuída pela mulher à imagem corporal e à aparência física mais esta experiencia dificuldade de ajustamento à vivência de cancro da mama e toda a alteração corporal decorrente da doença e dos meios de tratamento (Lichtenthal, Cruess, Clark, & Ming, 2005 cit. Helms et al. 2008).

Estudos demonstraram que pacientes mastectomizadas reportavam mais sentimentos depressivos e mais ideação suicida após a cirurgia, do que doentes submetidas a cirurgia conservadora / lumpectomia. Da mesma forma, investigações anteriores relacionam o distúrbio com a imagem corporal com a escolha do tratamento a seguir. Os fatores que afetam a decisão da mulher em ser submetida a lumpectomia e radiação ou a mastectomia são determinados pelos efeitos (negativos) na imagem corporal – antecipando-se corpo deformado e perda de feminilidade decorrentes da cirurgia. (Margolis et al., 1989 cit. Helms et al., 2008).


Alice Patrício, psicóloga clínica na Psicomindcare


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