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“NÃO DEIXE PARA AMANHÃ O QUE SE PODE COMER HOJE!”



Sobre a Adição e Compulsão por comida

Há alimentos que sabemos que se provarmos, ainda que sem fome, dificilmente vamos conseguir parar de os comer até acabarem. Mesmo quando achamos que já é suficiente ou ultrapassada a dose. Essa crença de que precisamos acrescentar mais um bocado domina o nosso cérebro, neutraliza-nos e, sem distinção por faixa etária, género ou classe social, a acção domina o pensamento – ou como preferem certos autores, “a mente torna-se refém do corpo”.

Mas podemos chamar isso de adição?

A adição não passa por ser uma decisão, até porque, nestes casos, esse controle perde-se e persiste o registo. É uma dependência física e psicológica, como por uma droga, álcool, tabaco, jogos, mentira, entre outros.

Qualquer adição configura-se como uma tentativa tranquilizadora, de curto prazo, de preencher o vazio de não ser, de resolver um problema, uma investida para manter afastadas da consciência experiências percepcionadas como dolorosas, angustiantes, de ódio, de culpa ou de qualquer outro estado de tensão psíquica.


Pretende ser uma busca de significado para a vida, mas passa, sobretudo, por uma falha no desenvolvimento psico-emocional com associação a patologias, com sofrimento psíquico persistente, que nos afecta o estado de humor, o comportamento e as inter-relações. Concretamente no âmbito alimentar, os nossos sentimentos mais íntimos expressam-se no que escolhemos comer e na forma como comemos, sendo que a comida não é o real problema, mas uma forma de lidar com o problema.

Longos períodos vivenciando situações de stress vão estimular a hormona adrenalina, levando-nos a consumir mais açúcar e gorduras e a suscitar em nós sensação de mais calma. Na outra face da moeda, estudos vêm referindo que a ingestão aditiva constante de açúcar produzirá alterações neurológicas com efeitos no comportamento semelhantes à adição à cocaína.

Exemplificando, chocolates, batatas fritas, snacks muito salgados ou muito doces são produtos popularmente reconhecidos como “adictos” ao paladar, raramente ocorrendo o mesmo com um prato de sopa ou um prato de vegetais acabados de colher da horta. A justificação é que percepcionamos sobretudo os alimentos ultra processados e de sabor mais intenso, algumas texturas mais suaves ou crocantes como reconfortantes.

Já a compulsão alimentar por determinado produto difere da adição pela voracidade recorrente com que se come, inferindo-se aqui uma perturbação alimentar circunstanciada, previamente, por um quadro de ansiedade, de depressão ou até por algum desequilíbrio metabólico. Por exemplo, num impulso, come-se um pacote de bolachas porque a vontade de comer é tanta, que não se pode esperar para a satisfazer. Ainda que o alimento coincida com qualquer um dos referidos como exemplo no caso das adições.

Para ambos os casos, agravado com eventual falta de rotinas das comidas / refeições há quem atribua a designação de “comedores caóticos”. Igualmente, decorrente de ambas as situações, os distúrbios alimentares que mais se destaca como consequência são a obesidade e a bulimia. Ou seja, as actuações aditivas e/ou compulsivas expressam-se no corpo por dificuldade em conhecer ou aceitar a incerteza, em elaborar experiências sensoriais – ou estas somente delimitadas a gratificações orais sobre fantasia de segurança e de afecto – em ressignificar sensações e emoções e, como resultado disto, comprometimento da capacidade de pensar. Conforme uma abordagem psicanalítica, como se o objecto transicional vulgarmente usado pela criança (chucha, fralda, peluche) deixasse de ser transitório para passar a definitivo em idades posteriores. Ou como se a comida existisse para ser sobrevalorizada como forma de comunicar e substituir sentimentos e afectos.

Em termos de tratamento, sem dúvida que o melhor caminho é o da prevenção, com a participação conjunta da família (especialmente em casos de crianças e adolescentes) e dos clínicos (endocrinologista, nutricionista, psicólogo). Uma vez o problema já instalado, a família continua a ser um parceiro relevante pois muitas vezes facilita tais gratificações imediatas, não interferiu nem interfere convenientemente no controle dos impulsos e, outras vezes, também já transporta sintomas de obesidade ou de bulimia.

Paralelamente a um acompanhamento técnico à medida de cada um, ajudará:

  • Reparar como o corpo reage a situações de stress;

  • Procurar actividades alternativas que o/a satisfaçam e o/a mantenham distante da comida fora dos horários habituais das refeições;

  • Redescobrir a comida como modo de vida saudável, aprendendo mais sobre o seu valor nutricional e ajustamento ao metabolismo de cada um;

  • Praticar técnicas de relaxamento.

Alimentarmos-nos é uma actividade fisiológica normal… sempre que conseguimos ter uma relação normal com o nosso corpo.



Alice Patrício, Psicóloga @Psicomindcare


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