Escadinhas de São Cristóvão, Lisboa (foto de Oh Lisboa)
PORQUE A PSICOLOGIA TAMBÉM É COMUNITÁRIA: A IMPORTÂNCIA DA CONSISTÊNCIA DAS MEDIDAS DE MUDANÇA EM CONTEXTOS COMUNITÁRIOS
O sentimento de pertença e de identificação a uma comunidade pressupõe, não só, obtenção de apoio social, como a disposição de recursos, com os quais se pode minimizar efeitos de carências e potenciar a saúde (mental e física), as oportunidades, os níveis de satisfação, o grau de envolvimento dos residentes, o sucesso escolar das crianças e o seu desenvolvimento (bem como a relação com problemas de comportamento).
Os contextos funcionam, assim, como mediadores e determinantes de processos individuais ou familiares. Uma comunidade competente pode ser definida como “uma comunidade que utiliza, desenvolve e obtém recursos” (Ornelas 2002). Então, a consistência das medidas de mudança numa comunidade passará pelo realce e incentivo das capacidades e qualidades dos indivíduos e da comunidade em geral (e não por salientar os défices).
Os indivíduos são sempre parte do sistema, logo, interessados e intervenientes nas actividades de melhoria da (sua) comunidade (enquanto seu “capital social” facilitador do benefício comum) e os programas e medidas de mudança deverão, desde logo, identificar esta interligação entre indivíduos e contextos.
Já os contextos de mudanças são necessários enquanto factor impulsionador do envolvimento e mobilização cívica. E ao serem sustentáveis serão, eles próprios promotores de mudança. Contudo, é necessário ter em conta que a consistência de medidas de mudança passa pelo controlo de mais do que uma variável de influência. Por exemplo, reduzirmo-nos ao controlo da pobreza num bairro pode subestimar o grau com que os pertencentes a uma dada etnia, também aí residentes, vivenciam os diferentes “nichos-ecológicos” no que se refere à educação, ao emprego, às oportunidades de casamento e oportunidades para estabelecerem interacções com a restante sociedade (Wilson, 1987). Ou seja, a minimização de determinadas características contextuais empobrece a compreensão do desenvolvimento e de outros processos psicológicos, conduz à perpetuação de estereótipos e à supressão de oportunidades para a intervenção.
A mudança pressupõe dois procedimentos básicos:
parcerias interdisciplinares, da própria comunidade ou com ligação à mesma, com objectivos comuns, que possam contribuir para o desenvolvimento de sistemas integrados ou articulados de serviços comunitários e para a promoção daquela comunidade;
aposta na resolução dos problemas através de processos de colaboração e sustentáveis no tempo, com vista ao desenvolvimento de modelos de sucesso.
Considerando que a sociedade é dinâmica a intervenção surge com função preventiva, como tentativa de ajustamento à mudança, através de respostas concertadas entre os diversos parceiros, da promoção de medidas de resiliência, do empowerment.
Especificamente, a intervenção comunitária poderá ser operacionalizada a partir das relações sociais entre indivíduos, grupos, associações ou instituições com impacto, de influências, orientações ou acções concretas (os potenciais recursos comunitários) com maior ou menor apoio externo (visto que se trata de um sistema aberto). O resultado imediato desta intervenção é a mudança social e em última instância a mudança individual. Aliás, a consistência das medidas de mudança comunitária será tanto mais eficaz quanto a participação for generalizada aos indivíduos, à sua colaboração na definição e implementação de objectivos comuns. E o que é que isto poderá ter a ver com o bem estar psicológico e físico de cada um? Consequentemente, na aquisição dessa força motivadora com importantes repercussões para a saúde e auto-eficácia que é o empowerment individual e colectivo.
Para o efeito, as áreas temáticas mais frequentemente abordadas pelos modelos de desenvolvimento comunitário, são os procedimentos democráticos, a cooperação voluntária, a ajuda - mútua, a liderança e educação dos agentes locais. Já as estratégias prioritariamente utilizadas para obtenção da mudança, são o envolvimento dos indivíduos na identificação e resolução dos seus próprios problemas – sendo os técnicos (“apenas”) elementos facilitadores na resolução de problemas, encorajando os indivíduos e as organizações, dando ênfase aos objectivos comuns e favorecendo o crescimento ao nível das competências democráticas.
Pelo contrário, quando são os técnicos a impor propostas de actuação esperando que os locais as aceitem, no geral a comunidade elabora as suas expectativas e, muitas vezes, a sua desconfiança, não constituindo esta metodologia uma resposta às fragilidades sociais existentes. Há que estruturar intervenções sociais, que facilitem a emergência de comunidades competentes e saudáveis, no pressuposto que o objectivo de todas as intervenções é a mudança social, baseada na competência e com vista ao bem-estar da comunidade, logo, individual.
Alice Patrício, psicóloga na Psicomindcare para @UptoKids