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Lobo com pele de cordeiro ou cordeiro com pele de lobo?



Consegue identificar alguém que conhece nos seguintes parágrafos?

Maria é uma criança que “se porta bem” em casa, mas na escola, as queixas de que bate nos colegas, são frequentes. Raramente “responde torto” à professora, mas “esquece-se” sistematicamente de fazer os trabalhos de casa. Chamam-lhe “preguiçosa” e guarda tudo o que tem de fazer ou que lhe dizem para fazer para o último minuto. A mala da escola “é uma confusão” e os cadernos “são desleixados”. Por vezes, leva os pais “ao limite”, mas dá a volta à situação de forma a evitar a chamada de atenção. Quando faz uma atividade decidida por ela, tende a fazer tudo bem, de forma interessada e atempada.

Paulo é um jovem relativamente calado e cordial no discurso com os mais velhos. Nas conversas, tende a ser afirmativo e a anuir para evitar o conflito. “Dá-se bem com toda a gente” e raramente discute, em particular, com os pais ou pessoas de referência. Quer deixar de estudar e ir trabalhar para ser mais independente. Quando sai com os amigos bebe em excesso e envolve-se em experiências pouco saudáveis. Nessas saídas, com frequência, envolve-se em situações de briga e em comportamento de risco. “Esquece-se “ de comparecer ao jantar que os pais tinham agendado, ou quando vai,” um problema” fá-lo chegar bastante atrasado.

António está, mais uma vez, desempregado. No último ano, já teve 4 trabalhos, mas ninguém lhe dá o devido valor e nada lhe corre bem. Apesar de não o verbalizar, considerava o chefe “um parvalhão” que não percebia nada do assunto e que só gostava de mandar/ criticar. Faltou à última reunião de equipa porque o “despertador não tocou, mas ele não teve culpa”. A mulher está sempre a chamar-lhe teimoso e não entende porquê. Ela é muito chata: está sempre a queixar-se e a exigir-lhe coisas, sem razão para isso, pois não tem de lhe “dar satisfações” da sua vida. Esquece-se dos compromissos e obrigações, mas não faz “por mal”, afinal, tem muito em que pensar. Só não faz mais porque não pode.” Esquece-se” dos aniversários dos amigos e familiares, há sempre qualquer coisa que o faz chegar atrasado com frequência ao trabalho e a outras obrigações. Tem um azar enorme porque está sempre a apanhar multas de estacionamento/condução.

(trechos de anamneses, com nomes fictícios)

A personalidade passivo – agressiva carateriza-se por comportamentos que se manifestam por uma resistência, ainda que indireta, em satisfazer as exigências, em cumprir tarefas ou aceitar regras. Podem manifestar-se através de vitimização, procrastinação, teimosia, ressentimento, azedume, ou ainda, sob a forma de falhas repetidas e deliberadas para atrasar, ou mesmo não atender, os pedidos ou tarefas pelos quais é responsável, em particular, na resposta a tarefas impostas por figuras de autoridade (pais, professores, coordenadores, etc).

Quando estes comportamentos são inflexíveis, inadaptativos, causam prejuízo funcional clinicamente significativo ou sofrimento subjetivo para o próprio ou para os que os rodeiam esses traços de personalidade passivo-agressiva constituem, segundo o DSM (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders), IV um transtorno de personalidade do tipo passivo-agressivo. No caso das crianças este transtorno é habitualmente designado por comportamento de oposição/desafiante. De um modo geral, apresentam um padrão de atitudes negativistas e de resistência passiva às exigências em situações sociais, ocupacionais e relacionais, que começam, normalmente, no início da idade adulta. Esses indivíduos opõem-se e resistem às exigências de funcionarem num nível esperado pelos outros e pela sociedade. Esta forma de estar, pode ter várias faces e características:

  • Atrasa a conclusão das tarefas ou rotinas que precisa realizar, especialmente, aquelas que alguém lhe pediu para as fazer

  • Fica mal-humorado ou sente-se irritado/com vontade de discutir, quando alguém lhe pede para fazer algo que não quer fazer e frequentemente argumenta para não fazer

  • Alega, sistematicamente, ter algo para fazer quando lhe fazem uma exigência

  • Parece que funciona mais lentamente e fica sem vontade de realizar um trabalho quando se trata de tarefas que não quer fazer.

  • Protesta, sem justificação, porque os outros lhe fazem exigências que considera, frequentemente, descabidas

  • Evita obrigações, argumentando esquecimento.

  • Não cumpre a sua parte nos trabalhos e, portanto, dificulta os esforços dos outros.

  • Queixa-se de ser incompreendido e desconsiderado pelos outros

  • Alterna entre a hostilidade e a contrição

  • Critica ou despreza, ainda que de forma Inconsciente, as pessoas em posições de poder

  • Tende a trabalhar para interesse próprio, pois tem muita dificuldade em trabalhar por conta de outrem

  • Bastante centrados em si, nas suas necessidades, mas aparentemente cordiais

  • Recorre com frequência ao sarcasmo e à ironia para atingir intencionalmente os outros

Vários autores, identificam esta agressividade “silenciosa” como sendo resultado das estratégias que a criança vai adquirindo ao longo do seu desenvolvimento. Ao crescer em ambientes familiares pautados pelo uso do medo, da insegurança e onde a criança não se sente segura para expressar de forma aberta e honesta os seus sentimentos, em particular os mais negativos, a criança tende a reprimir a sua agressividade e a canaliza-la para o exterior de forma indireta. Outros autores, consideram que práticas parentais negligentes e pouco orientadas para a compreensão das emoções dos filhos, poderão, também, conduzir a reações negativas e agressivas, como consequência da pobreza relacional e afetiva.

A agressividade reprimida pode nunca ser superada e acompanhar o indivíduo ao longo da vida. Por vezes, são considerados adultos “pouco responsáveis”, que têm dificuldades em estabelecer compromissos, ou que não souberam crescer. No fundo, nunca aprenderem a lidar com a frustração e com as emoções negativas de forma positiva, vivendo num conflito permanente entre a dependência e o desejo de auto-afirmação. Pela relação terapêutica é possível elaborar os conflitos que emergem e recriar novas e mais assertivas formas de ser, estar e comunicar.

Helena Coelho

Psicóloga Clínica

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