Quando se fala em maternidade grande parte das mulheres associa essa experiência a algo maravilhoso, polvilhado de amor e ternura. Ser mãe é descrito, no geral, como uma experiência gratificante e bastante positiva.
Mas a maternidade implica uma mudança interna e identitária: de mulher e filha a mulher e mãe, com novos papéis, novas expectativas, numa reestruturação progressiva e contínua de ser e de estar. Sendo um processo relativamente tranquilo, mesmo em situações de gravidez não desejada, em função do contexto, das vivências e da estrutura da personalidade, nem sempre é assim.
A par da observação clínica, vários estudos vêm suportar a ideia de que uma gravidez indesejada (não quer dizer, necessariamente, não planeada), influencia o vínculo mãe-filho. Se a afetividade é um constructo complexo, nestes casos o afeto vai emergindo da ambivalência entre o sentimento de culpa pela rejeição e a tentativa de compreensão e aceitação. Em casos patológicos, a ligação mãe-bebé tem uma construção deficitária, levando à continuidade da rejeição, de forma mais ou menos evidente, após o nascimento.
Quando em contexto interventivo ouvimos expressões como: “tirem isto de dentro de mim” ou “devia ter ido parar à sanita como foram os outros”, é a evidência clara de que o papel de mãe não foi interiorizado. É a expressão crua do mal-estar da mãe e da sua incapacidade em lidar com a maternidade e com a nova identidade que lhe está associada.
Mas, antes de fazer qualquer juízo de valor pare para pensar. Conhece a história de vida daquelas mulheres? Como foi a construção dos seus próprios afetos? Alguma vez terá sido amada? Que contornos e que significado tem aquela gravidez?
A experiência clínica diz-nos que estas mulheres têm uma relação patológica com a afetividade e, na maioria dos casos, não conseguem “sentir” de outra forma. Muitas tiveram, também, uma infância complicada, outras sentiram que não eram amadas, ou que nunca foram verdadeiramente aceites. Por norma, são pessoas que não aprenderam a amar de forma positiva.
Chegam-nos ao consultório crianças para acompanhamento psicológico em que a abordagem necessária seria a familiar ou sistémica mas, na maior parte dos casos, é a criança que continua a ser “rejeitada”, continua a ser “aquela” que tem problemas identificados. Muitas das vezes não é a criança que precisa de ter acompanhamento psicológico e sim a mãe.
Noutros casos a mãe entra numa espiral comportamental (inconsciente) para alívio culpa, que se manifesta em atitudes de compensação: permissividade, excesso de tolerância ou falta de limites, compensações materiais, entre outras. No fundo sente arrependimento pelos seus pensamentos ou atitudes e teme, também, ser rejeitada pelo filho/a.
Claro que nos passa pela cabeça muitas questões: como será a vida desta criança? Será algum dia verdadeiramente aceite e amada de forma saudável? Nestes casos e na impossibilidade de haver um acompanhamento familiar, resta-nos ajudar a criança. Como? Através do restabelecimento de relações afetivas e vínculos afetivos saudáveis, quebrando o ciclo transgeracional de rejeição e de insegurança.
Fica a sugestão de ver (ou rever) o filme “Álbum de família” onde o tema da transgeracional está bem presente na história de 3 mulheres (irmãs), todas elas com as suas próprias “feridas narcísicas”, em que a imagem de uma mãe contentora não foi construída e interiorizada, condicionando um desenvolvimento pleno e saudável a cada uma delas.
Helena Coelho, psicóloga na Psicomindcare para @UptoKids